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quinta-feira, 10 de abril de 2014

Crítica: Noé

Nota: 10

Engraçado como as pessoas reagem aos filmes bíblicos, independente da qualidade artística, o que importa é ser fiel ao texto sagrado, isso desde os tempos de "Os Dez Mandamentos" (1956), "Ben-Hur" (1959) e "O Rei dos Reis" (1961), até mesmo antes disso, nos tempos do cinema mudo, já era parte até do marketing se gabar da fidelidade da adaptação, com o crescimento de vertentes fundamentalistas dentro das principais religiões, essa cobrança está cada vez mais exacerbada. É nessa realidade que Darren Aronofsky lança seu "Noé" (2014), um filme que tenta humanizar o mito do homem que foi escolhido por Deus, quando Este resolve acabar com o mundo e recomeçar do zero. Para isso o diretor se vale não só da história contada na Bíblia, mas também de outros textos e fontes, além de liberdades artísticas para concretizar sua visão. Em "Noé" há o dilúvio, há o castigo divino, os animais chegam à arca de dois em dois, mas nada é bonitinho que nem uma canção do Padre Marcelo.

Ainda criança Noé (Russell Crowe) vê seu pai ser assassinado pelo jovem rei Tubal-Cain ( que queria conquistar a terra de Lamech e testemunha a maldade no ser humano. Muitos anos depois, vivendo com sua esposa Naameh (Jennifer Connely) e seus três filhos Sem (Douglas Booth), Cam (Logan Lerman) e Jafé (Leo McHugh). Ao ter visões divinas predizendo o fim do mundo, Noé parte em busca de Matuzalém (Anthony Hopkins), seu avô, para se aconselhar acerca das visões enviadas por Deus. Lá ele entende que O Criador dará fim à maldade humana e poupará apena os animais, por viverem como no Paraíso, antes de Adão e Eva serem expulsos, para isso Nóé construirá uma Arca, que servirá de refugio contra a tragédia que se abaterá sobre mundo. Além de sua família, Noé tem ao seu lado a ajuda dos "Guardiões", anjos que caíram a terra para ajudar Adão, Eva e seus descendentes.



Aronofsky, diretor de filmes como "Pi" (1998), "Réquiem Para Um Sonho" (2000), "Fonte da Vida" (2006), "O Lutador" (2008) e do Oscarizado "Cisne Negro", nunca foi dado a facilitar as coisas para o espectador, nem em termos de narrativa, nem visuais e "Noé" deixa isso bem claro logo de inicio, não poupando o público da violência de uma época bem menos civilizada da nossa "história", sem falar que ele incute no filme os conceitos bíblicos de pecado, julgamento, justiça divina, ao mesmo tempo se utiliza de conceitos mais contemporâneos como a Teoria da Evolução, em uma adaptação ao que é descrito na Bíblia. Da mesma maneira em que ele respeita a falta de explicações para alguns eventos, ele preenche outros com elementos não de fantasia, mas de magia, como a presença dos Guardiões, anjos que escolheram ajudar Adão e Eva após estes serem expulsos do paraíso e foram castigados por Deus, se tornando criaturas feitas das rochas de nosso planeta, e que ajudam Noé como uma forma de encontrar o perdão divino e ascender ao reino dos céus novamente, eles estão no filme primeiro como uma forma de tornar verossímil a construção da Arca e também moralmente como uma prova do perdão divino. Isso mostra também que o diretor buscou inspiração em textos fora da Bíblia, como o Livro Apócrifo de Enoque.


Assim como Martin Scorsese fez com "A Última Tentação de Cristo", Aronofsky humaniza os personagens, Noé não é nem simplesmente bondoso, nem completamente impiedoso, ele tem momentos de dúvida, medo e quando se entrega a sua tarefa, se transforma em uma força quase que incontrolável e tudo isso toma forma através da incrível atuação de Russell Crowe (em seu melhor papel em anos), que se entrega à jornada de seu personagem, que ao contrário de outros filmes, leva a história inteira para compreender seu real propósito, Crowe é auxiliado por um ótimo elenco, com destaque para uma atuação surpreendente de Emma Watson, mostrando que os anos de Hermione se encontram no passado e de Jennifer Connelly, que é a fundação de tudo aquilo que o filme e a história realmente representa. Ray Winstone está ótimo com o assustador vilão do filme.


Está claro que o diretor não queria simplesmente fazer um desses documentários do History Channel ou um daqueles filmes maniqueístas dos canais religiosos, ele compreendeu a verdadeira essência da história e contou de uma maneira em que as pessoas poderiam (se quisessem) entender os dilemas que uma pessoa comum enfrentaria diante de eventos como os retratados no filme, sem falar que ele expõe a natureza humana no seu melhor e pior, claramente na tentativa de mostrar o caminho das pedras que leva a redenção. Ele conseguiu fazer algo raro no cinema de hoje, um filme caro, mas extremamente autoral, visualmente criativo e fantástico, mas também ancorado em seus personagens. "Noé" pode não ser a mais fiel das adaptações, pode não ser o filme que todos esperavam e certamente é melhor assim, afinal, ele sai da zona de conforto que geralmente é destinada a esse tipo de filme por concepção (engessados na mesma fórmula usada desde a criação do cinema) e do medo dos produtores de desagradar ou de fracassar nas bilheterias. Darren Aronofsky é um diretor criativo demais para deixar sua visão ser domada por convenções seculares e filtra essa história mais do que conhecida pela sua visão única, em um filme poderoso, violento e emocionante.


Noah, EUA, 2014 direção Darren Aronofsky roteiro de  Darren Aronofsky e Ari Handel produzido por Scott Franklin, Darren Aronofsky, Mary Parent e Arnon Milchan música Clint Mansell fotografia Matther LIbatique com Russell Crowe, Jennifer Connelly, Ray Winstone, Emma Watson, Douglas Booth, Logan Lerman e Anthony Hopkins. distribuição Paramount Pictures duração 138 minutos. Drama/Aventura.


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