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terça-feira, 6 de setembro de 2011

Grandes Filmes: Blade Runner, O Caçador de Andróides

Ficção Científica é um gênero maravilhoso, porém escorragadio, pois dependendo de como for tratado, pode cair na armadilha do ridiculo, sem falar que por causa da evolução tecnológica, que deixa tudo obsoleto, muitas obras de ficção acabam ficando extremamente datadas, sobrevivendo apenas pelo carinho dos fãs e dos nostálgicos, por isso apenas alguns filmes conseguem passar pelo teste do tempo sem perder sua importância, seja por seu apelo visual, seja por sua história, alguns por terem se tornado refêrencia para muitos filmes que vieram depois. “Blade Runner, O Caçador de Andróides” é um desses filmes que sobrevivem ao tempo, sem perder sua relevância, e pensar que quando foi lançado tinha tudo para ser o contrário.


Ele é uma mistura de dois gêneros, o film noir, que fez grande sucesso nas décadas de 40 e 50, e a ficção científica, ele é uma distopia, mostrando uma Los Angeles super poluída e super povoada. Essa mistura de elementos não foi muito bem aceita nem pelos críticos, nem pelo público, afinal o filme foi promovido como uma grande aventura de ficção científica, estrelada por Harrison Ford, saído dos êxitos de “Guerra Nas Estrelas” (Star Wars, 1977), "O Império Contra-Ataca" (The Empire Strikes Back, 1980) e "Os Caçadores da Arca Perdida" (Raiders Of The Lost Ark, 1981), e dirigida por Ridley Scott, do sucesso “Alien, O Oitavo Passageiro” (Alien, 1979), ou seja, ninguém esperava um filme lento, sombrio e pessimista, que aparentemente tinha como atrativo apenas seu visual fantástico. O filme teve um ótimo fim de semana de estréia, arrecadando cerca de US$ 9,0 milhões de dólares (uma ótima cifra em 1982), mas acabou perdendo terreno para filmes mais comerciais e de fácil digestão, como “E.T. O Extra-terrestre” (E.T. The Extra-terrestrial), “Rocky III”, “Jornada Nas Estrelas II, A Ira de Khan” (Star Trek II, The Wrath Of Khan) e "Poltergeist, O Fênomeno" (Poltergeist), arrecadando pouco mais de US$ 27,0 milhões, uma boa quantia, mas muito aquém do esperado.


Para se ter uma idéia de quão diferente o filme deve ter parecido quando foi lançado, tem que se conhecer a sua história, adaptada de um conto do famoso escritor de ficção científica, Phillip K. Dick, conhecido por seus livros extremamente complexos e cerebrais, no caso o livro em questão é “Do Androids Dream Of Eletric Sheep?” (Os Andróides Sonham Com Carneiros Elétricos?). Na trama a humanidade criou seres genéticamente alterados chamados de Replicantes, eles são utilizados na colonização espacial, pois são mais fortes e inteligentes que os humanos, porém após um motim, eles são proibidos na terra sob pena de morte. Para caçá-los são empregados os Blade Runners, Uma unidade de caçadores de andróides. Na Los Angeles de 2019, um grupo de seis Replicantes da geração Nexus-6, fisicamente identicos aos humanos, liderados por Roy Batty (Rutger Hauer) tentam invadir a Tyrell Corporation, a companhia que os criou, após fracassarem e de dois deles serem mortos, Leon (Brion James), um dos sobreviventes, tenta se passar por funcionário, mas é descoberto e quase mata um Caçador de Androide. É então que um Blade Runner aposentado, Deckard (Harrison Ford) é chamado para caçar e exterminar os quatro replicantes remanescentes. Ao visitar a Tyrrell corporation para testar uma Nexus-6, Deckard conhece Rachael (Sean Young), sobrinha do dono da empresa, que não sabe que também é uma Replicante, e ao mesmo tempo em que tem que caçar os replicantes fugitivos, Deckard acaba criando um forte vinculo romantico com Rachael.


“Blade Runner” é um filme que se você não prestar atenção, pode-se deixar passar exatamente sobre o que ele se trata, pois para muitos ele sempre foi uma colagem de imagens, sem uma história que as suportasse, porém para outros ele era o melhor filme de ficção desde "2001, Uma Odisséia No Espaço" (2001, A Space Odyssey, 1968), mas a verdade é que pelo menos em sua versão original lançada nos cinemas, ele ficava no meio termo entre os dois pontos, pois assim como muitos filmes, antes de chegar as telas, ele passou por uma produção complicadissima e por uma intervenção do estúdio que quase destruiu o resultado final.


Desde sua concepção, a produção foi cercada de problemas, inúmeras versões do roteiro foram escritas por Hampton Fancher até ele ser substituido por David Webb Peoples, Fancher via “Blade Runner” como um filme sobre pessoas conversando, o filme se passava em ambientes fechados, e quando Ridley Scott assumiu o projeto, ele resolveu desenvolver melhor o mundo em que a história se passa e contratou Peoples para tornar o filme um pouco menos cerebral e para dar os contornos do que ele veio a ser, balanceando todo o lado de ficção científica, toda a tecnologia, com as perguntas que Phillip K. Dick tentou responder com o seu livro, O que é ser humano? O que significa estar vivo? E talvez esse seja o elemento mais ignorado ao se assistir ao filme, principalmente por quem viu a versão original lançada em 1982, nessa edição ele era sobrecarregado por uma narração em off, que foi imposta pelos produtores, que tentava dar mais respostas e tornar o filme mais fácil de se compreender, mas na verdade isso apenas deixou o filme mais pesado, tirando um pouco da emoção, afinal ao invés de se sentir o que se passava na tela, era contado a você exatamente o que sentir.


Muito disso porque os produtores acharam o filme confuso, obscuro, diferente de tudo o que eles esperavam. Ridley Scott vinha de um momento dificil em sua vida privada, seu irmão acabara de morrer de câncer e quando “Blade Runner” estava em pré-produção, ele estava envolvido com “Duna” projeto que demoraria anos pra chegar às telas, e ele aceitou dirigir “O Caçador de Andróides” como uma maneira de se manter ocupado, na verdade ele acabou fazendo um filme que lida exatamente com o que ele estava passando, uma história sobre tentar prolongar a vida, evitando a morte eminente, mas que ao final acaba se aceitando que é esse o destino inevitável de qualquer ser vivo, e que na verdade viver é algo precioso.


Os Replicantes do filme, tem um tempo de vida de aproximadamente quatro anos e eles buscam uma maneira de evitar sua morte, e na verdade eles se mostram os seres mais humanos de toda a trama, os unicos que entendem o valor da existência, Roy Batty em um dos momentos antológicos do filme, faz um monólogo que resume toda a expêriencia de sua vida em poucas, mas significativas palavras. Ao invés de um filme de ação, o resultado é uma mistura de film noir, com ficção cientifica e uma pitada de existencialismo, algo que não se via no cinema pipoca da época, afinal estamos falando do inicio da era dos Blockbusters, por isso para tornar (pelo menos na cabeça deles) o filme mais palatável, os executivos fizeram Harrison Ford gravar, muito a contra gosto, uma narração que permeia grande parte do filme (ele gravou em um tom assumidamente monótono, para evitar que ela fosse usada, mas foi em vão), e ao verem o resultado final, os executivos resolveram que precisavam de um final diferente, um final feliz, para dar uma sensação de alívio para a platéia, algo que não combinava com 95% do que acontecia anteriormente, e que resultou em algo forçado, inclusive usando material não utilizado por Stanley Kubrick para a abertura de “O Iluminado”.


O filme acabou não encontrando seu público nos cinemas, mas alguns anos depois foi redescoberto no emergentemercado de VHS, onde adquiriu o status de “cult movie” e começou a ser reavaliado pelos criticos, sem falar que se tornou grande influência no visual de inúmeros videoclipes, durante o boom da MTV e do formato, também servindo de inspiração para muitos filmes no futuro. Com o sucesso do filme em vídeo, em 1991, Ridley Scott ganhou a chance de mostrar sua visão original, ele re-inseriu algumas cenas, retirou a narração e o final feliz, deixando o futuro de Deckard e Rachael em aberto, as mudanças só fizeram bem ao filme, inclusive porque o deixou muito mais ambiguo, e levantou outras questões sobre os protagonistas, que foram debatidas à exaustão pelos fãs. Afinal seria Deckard um replicante também? Deixo essa pergunta para vocês responderem.


Em 2007 Ridley Scott voltou ao filme mais uma vez para fazer o que foi chamado de a Versão Final, além das mudanças da versão de 91, ele arrumou pequenos detalhes por todo o filme, coisas que ele não pode fazer na versão original, pois ele teve que encerrar as filmagens as pressas devido aos atrasos no cronograma, e que com a tecnologia digital ele pode fazer, inclusive trazendo Joanna Cassidy duas décadas depois para refazer uma cena crucial e que continha um dos maiores erros de filmagens de que se tem noticia. O filme também foi remasterizado, realçando seu visual incrível, ele foi indicado aos Oscars de Melhor Direção de Arte e Melhores Efeitos Visuais, esse um trabalho incrível do veterano Douglas Trumbull (2001, Uma Odisséia no Espaço, Contatos Imediatos do Terceiro Grau e Jornada Nas Estrelas, O Filme), que continua entre os melhores já realizados, pois foi todo feito com o uso de efeitos fisicos e maquetes.


Porém o que se sobressai nessa versão restaurada é como a história se tornou mais significativa, como o filme é rico em detalhes e nuances, principalmente devido ao trabalho impecável do elenco, Harrison Ford e Sean Young estão ótimos, em interpretações mais contidas, afinal ela é uma máquina e ele um detetive solitário que caça e destrói andróides, e do qual nada se sabe sobre seu passado, em contrapartida há Rutger Hauer, que como Roy Batty, brilha intensamente e é pura emoção, seja em momentos de pura violência ou ao se dar conta da preciosidade da vida, ele e Daryl Hannah como Pris, exalam vitalidade, e são os personagens mais humanos de todo o filme.



Desde 1982 o filme cresceu em significado e importância, de uma extravagância visual, ele finalmente é reconhecido como um filme mais profundo, inclusive mais gratificante de se ver, mesmo que todo o deslumbrante visual, a trilha sonora clássica de Vangelis não tenham mudado, algo nele cresceu com o tempo, talvez por ter se tornado ainda mais atual, é um filme que por mais anos 80 que seja em certos aspectos, tem a qualidade dos grandes filmes, que é ser atemporal.

Para quem quiser ter uma idéia melhor sobre ele, na sua Edição Especial em DVD, vem três discos, uma com a versão final e definitiva, outro com três versões do filme, a original dos cinemas americanos, uma versão internacional e a edição do diretor de 1991, no terceiro disco vem um documentário de mais de 3 horas com os bastidores, mostrando todo o complicado processo de sua produção, desde sua concepção, o lançamento e sua redescoberta. Um verdadeiro banquete para qualquer cinéfilo.




Blade Runner, 1982/2007 direção Ridley Scott producão de Michael Deeley roteiro de Hampton Fancher e David Webb Peoples baseado no livro "Do Androids Dream Of Eletric Sheep?" de Phillip K. Dick musica de Vangelis efeitos visuais de Douglas Trumbull direção de fotogrsafia Jordan Cronenweth com Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young, Daryl Hanna, Edward James Olmos e Joanna Cassidy. distribuição Warner Bros. duração 117 minutos Ficção Científica.

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